sábado, 29 de maio de 2010

Amizades.com


De minha infância até adolescência tive três melhores amigas. A primeira era vizinha de minha avó. Brincávamos na rua juntas, pega-pega, pula pau, de boneca e de casinha A segunda entrou contudo em minha vida depois que perdi o contato com a primeira. E essa povoou meu mundo de descobertas sobre paqueras e de que estávamos crescendo, nos tornando "gente grande". A terceira me mostrou o que e a traição e me feriu profundamente. As outras duas primeiras, por incrível que pareça, saíram de maneira brusca e traumatizante de minha vida.

Confesso que sempre fiquei receosa com amizades. Meu modo reservado me condicionava a criar certas barreiras para não ser machucada novamente. Mas acredito que Deus cuidou de mim com carinho demorado e me presenteou com pessoas raras. Não são muitas, mas acho que se de poucas não dou conta...

Hoje morando longe de tudo aquilo que conheci, poso medir a importância dessas novas e velhas pessoas em minha vida. Perdi as três primeiras pessoas marcantes da minha vida, mas ganhei pessoas marcadas para serem inesquecíveis e não por razões ruins. Pessoas que me amaram desinteressadamente e que eu amei por suas qualidades e defeitos. Pois é tudo um todo. Muitas vezes não soube ser a amiga que o meu amigo Maurício precisou, talvez tenha sido artificial demais. Mas não o sou mais, e ele não pode saber disso agora, pois estou longe.

Talvez não abracei a Michele como ela precisou. Mas agora desejo com a forca de um abraço que ela se volte à forca de sua essência e de sua intensidade. Deixei de dizer o quanto a Drilelis tem grande valor, mas um olhar já dizia a dor que, por vezes teimava em aparecer.
A Núbia não teve muitos passeios na praia como merecia, mas os poucos encontros mostrou a pessoa, que merece ser amada, que ela é. A Domingues revelou-se a fina ligação que nos mantem juntas desde a época do colégio. A Meg não preciso nem comentar. O quanto não fui o que ela precisou, mas o quanto daria tudo para vê-la feliz. O quanto a agradeço por agora estar presente e o quanto ela para Deus.

Agora também tenho pessoas do outro lado do continente. Que apesar de suas diferenças de pensamentos, mostram que se importam comigo e também são alvos de carinho por minha parte. Mario que me revelou sentimentos tão esquecidos e tão belos. Jaqueline e Betina que com suas vidas loucas me mostram o quanto sou louca também. Aqueles que chegaram, ficaram um ano e foram embora como a Juliana.

Essa vida é tão louca! Você não têm nada e nada pode reter. Você pensa que um amigo é seu e descobre que ele vai embora e você pode nunca mais vê-lo. Parece que não valeu de nada todo o esforço empregado nessa amizade. Mas algo só e real quando ele liberta, quando ele compartilha. Tudo é para sempre quando está gravado em seu coração e quando é feito gratuitamente. Sem querer algo em troca. Na verdade muitas vezes a gente quer reter, mas o fato de aceitar que não o devemos já liberta!

Também tem aqueles que só ainda não são amigos por falta de contato, mas que parece que lê sua alma, te conhece sem conhecer. Sem contar os colegas, que muitas vezes são luz para nossas vidas, sorrisos na nossa alma. Com alguns amigos só tenho contato pela internet, mas não é a mesma coisa que o contato pessoal. Brinco que é uma amizade.com.

Como é bom partilhar nossa vida, mas também como é difícil deixar-se ler.
Mas em meio a tantos nomes citados e aos não citados, tem aquela que e razão desse texto. Ela sentiu falta de minhas postagens no meu blog e me pediu para voltar a escrever.
Faz mais de um ano qua não escrevo nada e o pedido dela me fez refletir meus dons, minha essência. Aqui onde estou morando em Dublin (Irlanda) não tenho a oportunidade de escrever como tinha em São Paulo. E eu deixei isso se acomodar em mim.
Mas agora escrevendo vejo o quanto sinto falta e o quanto isso faz parte de mim. E que não é justo eu me privar disso por nada. E isso só foi possível através de um olhar de cuidado de uma pessoa especial.
Pois aí está o texto. E o dedico a Vanessa, mais conhecida por mim como "Deus que me livre", seu apelido.

domingo, 6 de abril de 2008


Tudo por um bom negócioTinha prometido para mim mesma que tentaria ser econômica, que não me deixaria levar pelo consumismo que invade a sociedade atual e devassa o limite do cartão de crédito, o salário, a mesada, o dinheiro ilícito e lícito, inclusive a aposentadoria dos meros mortais: nós, que somos injustamente perseguidos pela necessidade de comprar o que não precisamos.

Como combater esse vilão que deixa o pobre mais pobre, o quase pobre alerta e o rico - sei lá como é que esse aí se sente. Qual artimanha utilizar para frear os avanços dessa praga moderna? Estou exagerando? Posso me justificar com a decepção de utilizar o que aprendi nas aulas de matemática (na verdade só somei e subtrai) e constatar que gasto demais.

Eu, justamente eu, que batia no peito e dizia: “Eu odeio fast-food americano, as roupas de marcas, e principalmente quem perde a personalidade a cada mudança de coleção das lojas. Hoje em dia tenho uma visão mais aberta, continuo a evitar ser uma cópia das capas de revistas (nem teria grana para isso mesmo). Porém, percebo que tenho comprado por impulso...

Primeiro foi uma câmera digital. Estava na promoção, seria um bom negócio. Achei que seria burrice não comprar, iria me arrepender pelo resto da vida. Insisto: pelo resto da vida e não somente por uns dias ou meses. Se eu fosse à esquina e voltasse na loja, ela já teria sido comprada por um sortudo. Não podia ter esse prejuízo. Comprei.

Dias depois o secador de cabelo estourou na minha mão... Um secador de mil anos, quase relíquia de família. Meu pai disse que iria arrumar. Mas em outro momento de impulso, quando fui comprar um esmalte em uma perfumaria, eis que levo (não de brinde infelizmente), um secador super potente, utilizado por profissionais, com não sei o que antiaderente (ou essa palavra é só utilizada para frigideiras?), potência máxima, mil anos de garantia. Tinha que comprar. Minha vida dependia daquilo, ao menos naquele momento.

Fui comprar um lápis de olho. Mas achei interessante ter um novo rímel, o pó também é necessário. Sem falar em um novo batom. Mas se tenho um batom, terei também de comprar um gloss. Mas a sombra é primordial e o blush dá um toque final. As vendedoras me convencem que tem uma base que faz milagres na promoção. Conclusão. Saí da loja abarrotada de coisas que já tinha em casa e o pior: com a certeza que fiz besteira, que não poderia devolver e que nem maquiagem uso muito.

Já que não posso elaborar uma estratégia de ataque contra as promoções – não há sentido dar um tiro em uma vitrine ou uma rasteira em um manequim- resolvi optar pela estratégia de defesa. Simples:

1. Fazer de conta que meu trabalho é voluntário e esquecer que tenho um salário
2. Pedir para minha mãe guardar meu dinheiro embaixo do coxão dela
3. Quando eu tentar pegar a grana pedir para ela me bater com uma vara de marmelo
4. Processar o meu banco por seus juros absurdos e transtornos causados
5. Jogar meus cartões na rede de esgoto
6. Prometer ao meu cofrinho (um porquinho estimado) que ele jamais será quebrado e sempre alimentado – essa é uma informação falsa, nunca tive um porquinho, mas caso um dia venha ter um, já sabem o que eu faria
7. Começar a cantar alto na rua para encobrir a voz do locutor: “Promoção. Leve um pague dois”
8. Optar viver como Francisco de Assis, ou até mesmo fazer promessa (algum santo dos endividados) de não comprar nada nunca mais
9. Abdicar-me de assistir comerciais de televisão, olhar outdoors e tocar em dinheiro e seus derivados novamente
10. Talvez me vestir com saco de batatas

Na verdade, acho que simplesmente vou maneirar um pouco mais e perceber que dá para viver sem ter toda bugiganga que inventam. Ao menos vou tentar. Simples assim: tentar.

quinta-feira, 3 de abril de 2008


O que é o tempo?

Fico a tentar colocar o tempo em padrões, medidas, dentro de uma caixa, onde ele pode ser observado, analisado e destrinchado. Quero descobrir se a vida é realmente curta, ou se é longa e cheia de dias. Busco fatos, motivos para compreender, uma criança, um adulto, um idoso, em um só. Um mesmo corpo, uma mesma alma e espírito e tantas fases alternadas em tão pouco tempo, ou seria em muito?

Quero entender os olhos cansados de meu avô, com sua bengala vacilante. Sua dependência de outras pessoas para se alimentar, receber sua aposentadoria. Uma pessoa que há alguns anos regia uma casa com sete filhos. O mesmo, em muitos. Como será olhar para traz e se ver, através da lembrança e não reconhecer o que se foi um dia?

Como medir se os anos passaram rápidos e desastrosos, ou lentos e penosos? Ou perceber que foram bem vividos, que decisões tomadas foram acertadas; que despedidas e chegadas tiveram seu quinhão?

Como saber sobre o tempo? Anos que marcam toda uma vida, segundos que mudam o rumo de povos e guerras. Pessoas que escapam da morte por um triz, outras que desistem da vida por falta de sentido. Uns que doam suas vidas para salvar outras. Pessoas que destroem, sem remorso, sem piedade.

Como entender? Percebo os segundos que perco ao tentar ver razão em tudo e buscar resposta para cada incógnita dentro de mim. Percebo que se passam segundos, minutos e toda uma vida para descobrir tudo, ou quase nada. E compreendo que se uma vida é pouco ou muito tempo, depende de quem a vive e como se vive. Para descobrir isso, deixo os questionamentos de lado e vou viver...

Quero responder na prática meus questionamentos. Cada vez descubro que quanto mais busco saber, menos compreendo. Mas, me apaixono mais pelo tempo e suas contradições, dependências, morte, vida, dor, júbilo, entrega e decisão. A decisão de fazer do tempo um aliado, companheiro de toda uma vida. Testemunha das limitações físicas causadas pela idade, das perdas e ganhos de vários anos. Telespectador e agente atuante no desenvolvimento de um ser humano e do maior mistério de todos: a vida.

domingo, 10 de fevereiro de 2008

Sonhos empoeirados


Quando começa um novo ano muitas pessoas fazem listinhas de planos e mudanças. Uns iniciam regimes, juram que vão comer alface pelo resto da vida. Outros dizem que querem viajar para longe, largar tudo, se aventurar, e nas férias se limitam a ir ao shopping. Há quem diga que vai mudar de emprego a qualquer custo. Mas só na primeira semana tem pique para mandar currículo, depois disso, se acomoda e pára com tudo.

A famosa listinha pendurada com imã na geladeira vai perdendo o significado. E logo é arrancada para que não lembre os sonhos esquecidos e adiados. E somente no começo do outro ano a vontade de superação volta à tona e sonhos são tirados da gaveta. Para logo serem aposentados e congelados novamente.

Claro que muitos desejos são realizados, muitas vezes não pelos nossos esforços ou merecimentos, são coisas inexplicáveis da vida. Porém, há sonhos que precisam de mais do que sorte ou graça para acontecerem, por isso não merecem ser buscados somente nos primeiros meses dos anos. Precisam, pois, de perseverança e luta. Há sonhos que valem tão à pena que não devem ser enterrados, precisam reviver a cada mês, a cada semana difícil. Muitos desejos podem nunca se concretizarem, mas você terá a certeza que tentou. E essa certeza te impulsiona para sonhos maiores.

Não é uma lista pendurada em algum lugar da casa que te diz se você é capaz, apesar de ser útil muitas vezes. Mas é somente a certeza de que queremos algo e que a vida é muito curta para sempre adiarmos. Escrevi esse pequeno desabafo, disfarçado de reflexão, por acabar de tirar sonhos da gaveta e me deparar com a tristeza de ver algo que você tanto quer cheio de poeira.

Quando começa um novo ano, temos a esperança de sermos melhores, diferentes, de sermos felizes. Há quem faça simpatias e pule ondas. Há quem como eu entrega o novo ano a Deus e pede simplesmente que a vontade Dele prevaleça acima de minhas vontades, muitas vezes sem sentido. Independente da forma que iniciamos um ano há sempre a esperança como uma das forças norteadoras. Mas principalmente peço que mesmo que eu enterre sonhos e objetivos ao longo dos anos, que eu possa ter a força de desenterrá-los, mesmo que tenha que me deparar com a angústia de ver um sonho tão querido a me sorrir triste e dizer:

- Por que você desistiu de mim? Não importa! Vamos continuar de onde paramos. Preciso ser realizado.

sábado, 19 de janeiro de 2008

Fala mais alto!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

Não sei se problema de audição é genético. Mas se for, estou certa de que herdei do meu avô e do meu pai dificuldades em ouvir. Não sendo otorrinolaringologista (palavrão ein?), como posso ter certeza? Não dizem que a voz do povo é a voz de Deus? Pois então... O povo está dizendo com todas as letras que estou ficando surda. Diante de tantos comentários resolvi investigar se há razões para alarde. E digo: “Há. Infelizmente há razões”.

“Como?”, “Não entendi”, Dá para repetir?”, “O que você falou mesmo?”, “Fala mais alto?. Essas são algumas das frases mais ditas por mim no último ano. E como resposta a essas frases: “Você é a velha surda?”, “Não limpa os ouvidos não?”. Respondendo a esses questionamentos, digo que não sou a velha surda, e que sim, limpo meus ouvidos.

Virei motivo de piada quando comecei a dar na cara que não entendia nada de bublufas de nadica de nada. Dia desses perguntei para um irmão consagrado da comunidade Toca de Assis de onde ele era. O irmão me respondeu que era da Mooca. Eu, achando que ele estava tirando com a minha cara retruquei: “Eu sei que você é da Toca irmão. Perguntei onde você está morando”. Ele me olhou e respondeu com a paciência de um homem de Deus. “Eu disse Mooca e não Toca minha filha. Está surda?”.

No mesmo dia pergunte as horas para um jornaleiro, a banca dele estava cheia de gente. Minha irmã me puxou pelo braço e disse para irmos embora. Eu agressivamente me desvencilhei e disse que ela deveria esperar porque o jornaleiro ia me dizer as horas. Ela simplesmente disse que ele já havia dito as horas e que todo mundo tinha escutado. Eu jurei para ela que não ouvi nada. Mas o olhar do jornaleiro me questionava: “Já não te disse a hora. Quer mais o quê?”.
Com provas suficientes de que deve ter algo errado, vou me dirigir ao otorrinolaringologista mais próximo e implorar para que ele dê um jeito. Enquanto isso vou dando meus foras.

- Escolas? Escolas aonde? Quem foi para escola?

- Escola não!!! Foras, dando foras.

- Cataporas? Quem pegou catapora? Tadinho...

- Foras. Fora de dar fora, como você está fazendo agora.

- Amora? Quem colheu amora? Você comprou amora? Tava barata?

- Amora não. Eu disse fora!!!!!!

- Agora eu ouvi! Você está me chamando de senhora. Quanta gentileza... Mas pode me
chamar de senhorita, sou jovem ainda...

sexta-feira, 18 de janeiro de 2008

Reunião de família


(Texto publicado no site www.guiadasemana.com.br no espaço Teen)

Dia desses, parei para pensar sobre as reuniões de família. Pode ser o aniversário de um dos avós, ou quem sabe o chá de cozinha de uma prima de segundo grau. Somente uma certeza, ou melhor, uma frase: "Mãe, eu não tô a fim de ir". Após essa confissão, briga de uns dois minutos e a decisão final: "Quem manda aqui sou eu". Muitas foram as vezes que me deparei em semelhante situação, mas ao final, lá estava, emburrada no banco de trás do carro, rumo ao aniversário de 60 anos da vovó, ou à missa de primeira comunhão de uma prima.

Hoje percebo que, apesar das minhas antigas reclamações, cada encontro me traz lembranças especiais. Acontece que custamos a perceber a importância da convivência com parentes. Confesso que risos me vêm naturalmente quando lembro desses momentos tão indesejados, mas que, no final das contas, se tornaram inesquecíveis.

O aperto de bochecha daquela sua tia sem noção. A pergunta que não quer calar: "Ainda não tá namorando?". E você fica vermelho de vergonha, acaba dizendo que no momento só quer saber de estudar, que não tem tempo para pensar em namoro. Os parentes fingem que acreditam.

Quem tem avô barraqueiro nunca se esquece do puxão de orelha que ele dá no seu pai de mais de 40 anos - e na frente de todo mundo. Sem falar na avó de cabelos branquinhos, que faz o melhor bolo do mundo e que não perde uma novela mexicana, além de acordar com o cantar do galo.

Tem também o primo mais velho que, quando criança, você pensa ser o amor da sua vida, mas depois de adolescente, percebe que devia estar louca na época. A prima que se assemelha à Barbie e não pára de falar sobre o mais novo namorado, ou a sua nova câmera digital... Justamente a mesma prima que você morreu de inveja, quando criança, porque ela ganhou uns maravilhosos patins do Papai Noel, e você, somente uma camiseta. Sem falar no primo que fez intercâmbio e voltou praticamente um lorde inglês.

Encanto-me com a diversidade das pessoas, considerando, principalmente, que são da mesma família. As características e funções são tão contraditórias: tem o tio que está no mesmo emprego há 30 anos, aquele que não gosta de trabalhar. Tem a tia que está sempre de regime e tem aquela que quer saber da vida de todo mundo. O tio que bagunça carinhosamente seu cabelo que levou horas para assentar. Ou no caso dos meninos, a brincadeira acaba com o gel do penteado da moda.

Hoje, as reuniões da minha família se tornaram mais raras, se comparado há alguns anos. Os primos seguem uma profissão, os tios mudam de casa, alguns vão para longe, outros que eram de longe retornam. Nada é mais como antes, mas não deixa de ser bom. As mudanças são freqüentes e o amanhã vira hoje, de forma inabalável, mesmo contra nossa vontade.

Fico feliz quando surge uma oportunidade de ver meus parentes. Acabo encontrando filhos de alguns primos e me recordo quando tínhamos a mesma idade. Vejo que meus avôs já não têm mais a mesma agilidade de antes, agora usam bengalas. Mas também percebo que muitas coisas não mudam, já que minhas tias ainda querem saber quando eu vou casar, mesmo não havendo um pretendente.

Percebo que minha mãe agiu bem ao condenar minhas bochechas à vermelhidão eterna, em conseqüência dos apertos doloridos, mas de carinho das tias. Afinal, essas experiências me concederam propriedade para perceber as mudanças ocorridas com meus familiares e que faço parte de suas vidas.

Estou ansiosa para que chegue o aniversário de uma das minhas avós. Ela vai fazer feijoada. Fiquei encarregada de levar um bolo, não é o melhor do mundo como o da minha avó, mas quem sabe para meus netos não serão?

Para marcar presença, terei talvez, que desligar o computador, deixar de assistir aquele filme, ou de ir a uma festa badalada. Mas sei, que mesmo indo sem aquela vontade, as cenas que me aguardam valem muito. Afinal o contato humano é fabuloso, mesmo quando é aquele abraço que quase quebra os ossos, concedido por um tio, ou o beijo melado de bala da caçulinha da família.

Meu reflexo


O espelho me revela o que eu não quero saber, mas faço questão de saber: como estou. Primeiro ele mostra que para quem acabou de acordar estou muito amassada, cabelos emaranhados e olhos vermelhos. Lavo o rosto e tento domar as madeixas. Volto para a frente do espelho, amigo que não mente, e talvez por isso pior inimigo. Dessa vez ele me faz perceber rugas. Rugas? Aos 23 anos de idade? E por que não? Bem que minha mãe dizia para usar cremes para o rosto, principalmente protetor solar. Sinto-me uma filha desobediente e que foi duramente castigada.

No auge do desespero percebo pela milésima vez que meus olhos não são azuis, nem verdes. Os comuns olhos castanhos penetram minha alma através do espelho e me enfrentam revoltados: “Castanhos sim, algum problema?. Respondo prontamente que não. Problema algum. Tirando todas as cores possíveis de olhos, o castanho é o meu predileto. Feito as pazes com meu par de olhos, volto minha atenção à boca. Tão normal que chega a cansar. Nem fina, nem grossa. Apenas boca. Talvez o nariz poderia ser diferente, um pouco menor quem sabe. Os cabelos pedem um corte urgente, ou em último caso, uma peruca resolveria meu problema.

Em cinco minutos à frente do espelho já briguei mentalmente com grande parte dos membros do meu corpo. Fecho os olhos e tento imaginar como seria ter o olhar verde de determinada cantora americana, os lábios carnudos de uma tal atriz brasileira, e por aí vai. Quando me transformei em uma outra pessoa, abro os olhos e deparo com minha imagem, tão conhecida, e no momento, tão criticada. Suspiro desanimada ao perceber que não posso ser outra pessoa.
Minha irmã me empurra e fala que precisa se arrumar e estou “alugando” o espelho. De mau humor resolvo dar uma volta no quarteirão, talvez aproveite e passe na farmácia para me pesar e descubra que engordei uns 20 quilos em uma semana. Escolho um casaco quente para sair. Imagino que o tempo deve estar cinza e frio, para harmonizar com meu gênio. Devo admitir que quando acordo de mau humor me torno uma jovem bem exagerada.

Saio à rua e me deparo com um sábado de sol. Carrancuda, permaneço com meu casaco. É como um manifesto contra as pessoas alegres e joviais, que teimam em serem felizes, mesmo quando estou brigada com o espelho lá de casa. Cumprimento rapidamente alguns vizinhos. Tento me esquivar de todos. Concedo um oi básico para Dona Dora, uma senhora que passa maior parte do tempo sentada em uma cadeira na frente da casa dela. Porém, ela emenda uma conversa na outra e sorri despudorada para mim, apesar de só ter dois dentes. Acho linda a Dona Dora. Sua história de vida, sua cadeira vacilante na calçada. Arrisco-me a sorrir com ela.

Adiante encontro a “Alegrinha”, uma garota, de uns 13 anos, que vive alegre e que mora no final da minha rua. Até hoje não sei o nome dela. Apelidei-a de “Alegrinha” há uns dois anos, e assim a chamo sempre. Ela conversa comigo e diz que pensa em ser jornalista quando crescer, assim como eu. Me sinto lisonjeada e digo que ela deve sempre estudar. Aqueles conselhos (que eu odiava escutar de um adulto quando ainda adolescente) sobre a importância de ser alguém na vida e blá, blá, blá. Percebo que Dona Dora e “Alegrina” me reconquistaram com seus sorriso e paciência para com uma vizinha mau humorada de casaco de lã em um sábado de sol. Depois de encontrar mais algumas figuras da vizinhança, decido voltar para casa e deixar a balança para trás.

Passo novamente perto do espelho e distraidamente me vejo. As rugas parecem que tiraram férias. Seriam frutos da minha imaginação? O nariz se torna “simpático”, a boca tem um quê de irônica. Os cabelos como que dançam em ondas serenas, até bonitas. Os olhos... ha, esses olhos. Eles se revelam interessantes, brilhantes até, como se me desafiassem e dissessem: “Eu não disse que estávamos com razão?”.

Não sei do que eles tinham razão. Mas percebi que há momentos em que conseguimos só ver defeitos e desastres. Mas nada como uma caminhada simples, um olhar para a vida, uma conversa aqui e ali, para acalmar o furor de nossa alma. Muitas vezes acordo assim, querendo chutar o cachorro e quebrar o espelho. Mas meus olhos teimam em me revelar que mau humor passa, principalmente com sorrisos de quem sabe realmente sorrir. Sorrisos descompromissados, aqueles que não querem nada em troca. Meu olhar também mostra que sou muito mais do que o espelho reflete.